.SERTÃO ADENTRO.
A LUZ QUE CORTA COMO FACA AMOLADA
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Azol antes de ser um artista do mundo é um artista de alma banhada de sertão (lugar seu e de seus antepassados). Por isso, suas fotografias já nascem desvendadas pelo olhar do coração. Oswaldo Lamartine (1919-2007), escritor norte-rio-grandense deixou escrito que “[...] cada vivente tem o seu sertão. Para uns, são as terras além do horizonte e, para outros, o quintal perdido da infância”1.
Assim, a lente sensível do artista/fotógrafo recolhe esse quintal da infância, como também recantos, objetos, gente e bichos, que nos chegam no corte, qual faca amolada, no jogo de luz e sombra que só os de muita fé são capazes de desafiar.
É um sertão que também esconde e expõe um castelo entre pedras erguidos pela fé de Zé dos Montes (seu construtor), que lembra a arquitetura do grande espanhol Antoni Gaudí (1852- 1926). Lembra também vários gomos de açúcar, de tamanhos variados, enterrados na areia seca e grossa que se espreitam, sentilenando a luz forte do sertão.
Azol entrou sertão adentro, desprovido de intenção objetiva; levou apenas o desejo de trazer as imagens que já vivem em sua memória. Por isso, sua fotografia não nos (sertanejos) surpreende, porque ela flagra o fugaz instante do cotidiano. Sem esquecer a magia e o encantamento.
Quando o foco se desloca para o interior de casas abandonadas ou as cheias de vida, as imagens ganham ares da austeridade do corte da madeira para xilogravura. Os veios estão abertos, as rachaduras, expostas, as paredes descascadas em camadas, até as mantas de algodão sobre as camas estão em desalinho. Tudo expõe tempo e vida.
Seus poucos retratos nos impressionam pela entrega, pela troca afetiva, entre fotógrafo e fotografado. Assim, o humano se mostra quase como uma natureza-morta, em tons harmoniosos da composição, e nos confere um estatuto de vida e, ao mesmo tempo, de obra plástica.
Caminhar por essas imagens é também, de certa forma, arranhar a pele com gravetos pontiagudos, porque nada fica apenas na memória. Somos sim, jogados como um sol inclemente na terra seca e bela desse sertão que há dentro de cada um de nós. Isso se configura porque as imagens, em sua maioria, são, para cada de nós, uma relação íntima de pertencimento, como também de reconhecimento e extensão poética que os nossos olhos enxergam.
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POR ANGELA ALMEIDA